segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Comportamento Verbal - A Produção do Comportamento Verbal* {Parte 5 de 5}



           Ao discorrer sobre a produção do comportamento verbal, Skinner (1957) aponta para um processo de construção do episódio verbal em que a autoedição funciona como mais uma atividade a ser considerada neste complexo fenômeno. Como se fosse uma casa, a base de sua estrutura seria o comportamento verbal grosseiro com as vocalizações decorrentes do aparato biológico humano, os pilares e as paredes seriam os operantes verbais primários, os utensílios e objetos seriam os autoclíticos e para que esta casa pudesse receber pessoas em datas comemorativas poderia ser usado o princípio da autoedição a fim de se evitar rejeições.         
Em outras palavras, a autoedição é uma atividade adicional exercida pelo falante para aumentar a eficácia de um discurso ou para evitar a punição de um ouvinte. Esta atividade também faz parte de um processo funcional em que o indivíduo consegue elaborar melhores respostas em uma interação e, em geral, está acompanhada de autoclíticos que tornam a autoedição mais eficaz e forte para reduzir a punição.
    Em um determinado episódio verbal, algumas variáveis podem ser fortes o suficiente para impedir a autoedição. Uma vez que o falante também pode atuar como ouvinte de seu próprio comportamento verbal, ele pode ter condições para autoeditar uma resposta verbal que esteja sobre ameaça de punição ou rejeição. Mas em alguns casos, como por exemplo, na fala rápida, o falante atua sem o controle suficiente de sua própria escuta e acaba verbalizando algo que só poderá ser editado após a emissão da resposta verbal. Em outros casos, um lapso verbal pode não ser observado quando emitido e também pode ser negado posteriormente. Também é preciso considerar que o ambiente que sustenta um episódio verbal pode mudar muito e depressa, e nem sempre somos sensíveis a estas mudanças de forma tão rápida. Estas alterações físicas e sociais, como acontecem nos casos de punição, podem atrasar ou impedir que uma resposta de autoedição seja emitida.
     A autoedição também pode ser dificultada nos casos em que há respostas verbais, escritas ou vocais, automáticas. Vários eventos permitem uma resposta verbal automática, como no caso dos sonhos ou da hipnose. Skinner (1957) sugere que estas respostas automáticas, que ocorrem em momentos de difícil edição, acontecem por conta de baixo controle punitivo em operação. No sono ou na hipnose, o indivíduo está livre de “forças repressoras”, que podem ser entendidas aqui como um estado de vigilância sobre o ambiente punitivo no qual o indivíduo está inserido e que faz parte de sua história de aprendizagem.
   A autoedição está muito relacionada com a punição ou restrição, mas algumas audiências especiais podem contribuir para que uma resposta verbal não precise ser editada, como é o caso da audiência literária e a psicoterapia. Na audiência literária, o autor pode usufruir de sua licença poética e usar metáforas, descrever eventos incomuns, inventar palavras e símbolos, e estes recursos são permitidos e aprovados pela comunidade verbal. Já na psicoterapia, grande parte da cura pela fala se deve ao contexto terapêutico que, em geral, não é punitivo.
   Até aqui, conhecemos os recursos que o falante pode usar para aumentar a eficácia de suas respostas verbais sobre uma audiência ou para não ser punido pelos ouvintes. Skinner (1957) também apontou algumas técnicas de autofortalecimento que aumentam a força para que uma resposta verbal seja emitida. Segundo o autor, este processo é possível porque uma pessoa pode controlar o próprio comportamento verbal como controla o comportamento verbal de outras pessoas. O autofortalecimento só é possível quando uma resposta verbal, por algum motivo, se encontra com uma baixa força no repertório do indivíduo.
    Para o autofortalecimento do comportamento verbal é possível recorrer a algumas técnicas, tais como: 1) A manipulação de estímulos – quando um falante aprimora seu contacto com um objeto para criar uma condição favorável para a emissão de respostas apropriadas que já existem em seu repertório; 1.1) Autodeixas – estímulos verbais auxiliam e fortalecem a emissão de determinada resposta verbal; 1.2) Autoinvestigações – estímulos visuais vagos, porém adicionados ao episódio verbal podem fortalecer uma resposta verbal; 1.3) Mudança da audiência – a busca de audiências apropriadas a um certo repertório ou a um dado assunto; 2) Mudança no nível de edição – por conta das alterações ambientais o falante ou o escritor pode editar o próprio comportamento verbal visando condições mais reforçadoras; 3) Produção mecânica – objetos e jogos que permitem a manipulação de letras e palavras e que funcionam como fortalecedores de respostas verbais; 4) Mudanças de variáveis motivacionais e emocionais – quando o falante consegue manipular algumas emoções ou suas condições fisiológicas para alterar os níveis de privação ou de saciedade; 5) Incubação – a resposta verbal ocorre após um longo período em que o falante não a verbalizou e sua ocorrência é interpretada pela comunidade verbal como um insight, o que pode reforçar o comportamento do falante por este ter “liberado sua força inconsciente”. Abaixo na figura 1 há um exemplo deste fenômeno.

Figura 1 – Exemplo de respostas verbais autofortalecidas de um vidente.







Diante dos recursos apresentados, como um falante pode criar novas respostas verbais que não estão em seu repertório? A modelagem é uma forma de conquistar uma nova resposta verbal quando o indivíduo recebe reforços para seus comportamentos que mais se aproximam da resposta verbal final desejada. Porém, a modelagem não é o único recurso para construir um comportamento verbal novo. Novos tactos podem surgir enquanto o indivíduo amplia seu contato com o mundo. Em outras palavras, qualquer comportamento que melhore as experiências do indivíduo com o mundo terá força para produzir novas respostas.
   As análises de Skinner permitem que nós, enquanto leitores, cristalizemos o entendimento de que o surgimento de novos comportamentos se dá pela seleção por consequências específicas das respostas verbais. Assim, é possível compreender a distinção que há entre o comportamento verbal das pessoas. Skinner (1957) dedicou um capítulo de seu livro para diferenciar o comportamento verbal literário do comportamento verbal lógico e científico. O autor aponta que a principal diferença entre o comportamento do cientista e o do escritor se refere ao controle de estímulo e a consequência prática, ou seja, o comportamento científico será reforçado por sua precisão e funcionalidade prática para os outros integrantes dessa comunidade e o comportamento literário será reforçado pela produção de fantasia e conhecimento metafórico nos leitores. Além dessa diferenciação, Skinner (1957) aponta que o comportamento verbal lógico e científico também difere do comportamento verbal do leigo por conta da ênfase que se dá à predição, ao controle e às suas consequências práticas.
      Ainda em relação à produção do comportamento verbal, Skinner (1957) dá destaque ao pensamento. Aqui, é preciso se opor ao mentalismo para que o pensamento seja significante em uma análise funcional do comportamento verbal. Podemos, assim, entender que durante o processo de aprendizado e aquisição de respostas verbais, a comunidade verbal pode reforçar ou punir algumas respostas abertas e este processo de modelagem pode produzir e selecionar respostas verbais privadas, ou dentro da pele. Assim, um comportamento, seja ele público ou privado, será forte dependendo das contingências em operação. Em geral, uma resposta verbal privada se mantém neste nível por ter sido punida quando esteve aberta ou por não ter nenhuma condição reforçadora além do próprio falante presente no contexto de sua emissão.

            O pensamento é, então, entendido como um comportamento verbal privado que atinge o próprio falante enquanto ouvinte de si memo. Não é, portanto, uma conduta ou habilidade mística ou profunda do ser. O pensamento, enquanto comportamento verbal complexo existe por conta do aparato biológico humano e é refinado e mantido pelo grupo no qual ocorre. A depender das contingências em vigor no momento de sua emissão, um pensamento pode ter características dos operantes verbais já discutidos anteriormente, como por exemplo, no caso dos automandos em que o falante pode se ordenar, em nível privado, a sair de um lugar e ir para outro.

Considerações finais

            É importante notar que, ao contrário do que é divulgado sobre a análise do comportamento, Skinner (1957) ressalta que uma análise funcional do comportamento verbal não ignora a consciência, os sentimentos e nem os estados e processos mentais ou cognitivos. Neste caso, estes comportamentos são considerados encobertos e, embora sejam de difícil acesso, têm suas origens iguais as dos comportamentos públicos e estão suscetíveis as mesmas contingências. Assim, entende-se que o pensamento, antes de ser um comportamento privado, foi adquirido de forma pública e manifesta. Além disso, o autor mostra nesta unidade o papel fundamental da comunidade verbal no arranjo de contingências necessárias para a produção do comportamento verbal, em especial o pensamento.



Foi possível observar que o comportamento encoberto tratado no Verbal Behavior, no caso, o pensar, tem tantas vantagens quanto o comportamento aberto. Podemos inferir que por meio do pensamento um indivíduo pode não se comprometer negativamente em algum contexto, ele pode planejar, lembrar e articular uma operação verbal antes de emiti-la no nível vocal para atender melhor as demandas da comunidade verbal, atingir com eficácia um ouvinte e evitar uma punição.

Contudo, observa-se que todo o processo de construção do comportamento verbal descrito por Skinner é uma clara crítica ao mentalismo e um alerta aos cientistas do comportamento. A posição do autor, muitas vezes bem argumentada e outras vezes confusa, guia o cientista do comportamento a notar que o fenômeno verbal e o pensamento serão sempre comportamentos que devem estar sujeitos as leis que regem o comportamento operante, sem que para explicá-lo seja necessário recorrer a processos mentalistas ou mediacionais.
*Texto desenvolvido a partir do aprendizado na disciplina Comportamento Verbal do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UNB.
 



Referências

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Cambridge, Massachusetts: B. F. Skinner Foudation.
 

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