quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Comportamento Verbal - A Manipulação do Comportamento Verbal* {Parte 4 de 5}





     Ao revelar as estruturas da língua como parte dos episódios verbais, Skinner (1957) define o autoclítico como o operante verbal que fornecerá elementos para o ouvinte sobre as propriedades dinâmicas do comportamento, sobre as condições que controlam ou dão origem ao comportamento e sobre a ordem temporal dos eventos. Além disso, o conceito de autoclítico aponta para a existência de um sistema diretor, organizador, avaliador, seletor e produtor das respostas verbais.

            Outra forma de definir o autoclítico é dizer que este não é um operante verbal independente, pois ele serve para completar e acompanhar os outros operantes verbais primários (mando, tato, ecóico, textual, transcrição e intraverbal) e dar mais informações ao ouvinte do que acontece no mundo do falante. Por isso diz-se que o autoclítico é um operante verbal secundário.
Para Skinner (1957), é importante revelar e estudar algumas estruturas da linguagem praticada pelas comunidades verbais sem que para isso o falante seja apontado exclusivamente como alguém que possui necessidades, intenções ou atitudes propositais internas que o inclinam a emitir certas respostas verbais. As estruturas da língua presentes nos operantes autoclíticos são adicionadas aos episódios verbais pelo controle das variáveis ambientais e históricas dos indivíduos que compartilham uma mesma comunidade verbal e não por entidades internas.

Na obra de Skinner é possível identificar alguns tipos de operantes verbais autoclíticos, a contar: os descritivos, os qualificadores, os quantificadores, os relacionais e os de manipulação. Os autoclíticos descritivos são operantes verbais que permitem o falante discriminar, descrever ou tatear para o ouvinte o seu próprio comportamento verbal e as condições que o inclinam a se comportar (Souza, Miccione & Assis, 2009). Um exemplo de uma afirmação descritiva com elementos autoclíticos poderia ser a seguinte: “Vejo um gato preto lá, tome cuidado, pois hoje é sexta-feira 13”. Este tipo de afirmação descritiva oferece ao ouvinte informações sobre o que controla a resposta verbal do falante e indica como o ouvinte deverá se comportar diante desta frase. O autoclítico descritivo também pode ocorrer sob controle de eventos emocionais ou motivacionais, podendo informar a força de uma resposta (ex.: “Tenho certeza de que é um gato preto” e “Acho que é um gato preto”) e apontar o tempo no qual o comportamento ocorre (ex.: “Eu vejo um gato preto”, “Eu vi um gato preto”, “eu verei um gato preto”).
O autoclítico qualificador é o operante verbal que depende das relações de controle estabelecidas em um episódio verbal completo. 
Três categorias são importantes para explicar este tipo de autoclítico. O primeiro é o autoclítico qualificador de negação, caracterizado aqui pela expressão “Não”. Ao ser emitido, um “Não!” pode tatear os eventos relacionados ao episódio verbal em questão, por exemplo, em “O gato preto não está lá!”, a unidade autoclítica “não” qualificou, por meio de um tacto, um evento do ambiente. O segundo autoclítico qualificador diz respeito às afirmações que modificam o comportamento do ouvinte, pois indicam a existência de concordância entre o que é dito e o estado das coisas do mundo, ou seja, um “Sim!” é uma confirmação dos eventos do ambiente. Por exemplo, dizer a alguém a afirmação “É um gato preto”, confirma melhor um evento do ambiente do que dizer: “Acho que é um gato preto”. Já o terceiro tipo de autoclítico qualificador diz respeito aos elementos verbais denominados de advérbios ou adjetivos pela gramática de uma determinada comunidade verbal. Alguns exemplos são: “Felizmente”, “Seriamente”, “Provavelmente”, entre outros. Assim, a emissão desse tipo de autoclítico qualificador (ex.: “Provavelmente veremos gatos pretos nesta sexta-feira 13”) sinaliza para o ouvinte que o controle de uma resposta verbal pode não ter a mesma qualidade e magnitude dos autoclíticos de negação e afirmação. Para Skinner (1957), a função autoclítica também pode ser exercida por um olhar malicioso ou por um tom de voz.

O autoclítico quantificador diz respeito àquelas respostas verbais caracterizadas pela gramática tradicional como adjetivos e advérbios de quantidade e de tempo (ex. poucos, muitos, alguns, todos, sempre) e os artigos definidos de número e gênero (a, as, o e os) que informam as propriedades do comportamento do falante e as características dessas propriedades (Souza, Miccione & Assis, 2009). Por exemplo, as frases “Alguns gatos pretos passaram aqui” e “Um gato preto passou aqui” pode afetar de forma diferente o comportamento do ouvinte, ao permitir que ele entre em contato com as propriedades quantitativas que controlaram a emissão da resposta verbal do falante.

Já o autoclítico relacional diz respeito aos aspectos gramaticais e sintáticos do comportamento verbal e pode ser entendido como as preposições, conjunções, pontuações e outras formas de concordâncias verbais de tempo, gênero e número. É o autoclítico relacional que permite que as unidades verbais e os operantes básicos se ampliem e tomem novas funções. Por exemplo, dizer “Ela tem medo de gato preto” indica que há uma relação entre “gato preto” e “medo” ligados pela expressão “de” e, ainda, indica um aspecto relacional contido na história do indivíduo. Há ainda o autoclítico de manipulação, em que o falante pode fazer uso de outros recursos gramaticais para melhor organizar seu comportamento verbal e atingir com mais eficácia as pessoas envolvidas no episódio verbal, tais como, “Mas”, “E”, “Ou”, entre outros.

Ao falar sobre os aspectos gramaticais e sintáticos do comportamento verbal por meio dos autoclíticos, Skinner (1957) retoma as contingências de reforçamento como a principal fonte de compreensão deste fenômeno verbal. Para o autor, não há necessidade de recorrer à linguística estruturalista para explicar a ocorrência dessas unidades de respostas quando uma análise funcional pode identificar melhor a aquisição e o padrão dos comportamentos verbais, e as consequências relacionadas com sua emissão.

O comportamento do ouvinte por meio de processos autoclíticos pode ser instalado a partir de condicionamento reflexo e de estímulos discriminativos. Assim, um estímulo neutro pode adquirir propriedades eliciadoras para uma resposta reflexa se for emparelhado repetidas vezes ou com muita intensidade com tais respostas. Ou seja, um estímulo escrito ou sonoro “Cuidado!”, inicialmente neutro, se emparelhado com respostas reflexas de dilatação da pupila, tremor ou sudorese, pode tornar-se suficiente para que o ouvinte emita tais respostas reflexas na presença dos referidos estímulos. Além disso, a palavra “Cuidado” pode adquirir, ao longo da história do indivíduo, propriedades discriminativas que sinalize algo no ambiente que seja perigoso e que algum tipo de resposta do ouvinte deve ser emitida para que ele seja capaz de lidar com uma possível alteração de seu ambiente.

Este processo também ajuda a explicar um tipo de alteração que o ouvinte ou observador pode fazer em seu ambiente por meio de uma "instrução", ou seja, um indivíduo pode emitir certos tipos de resposta, verbais e não verbais, por causa dos estímulos verbais que ocorrem em condições específicas. Assim, um falante informa um ouvinte sobre como agir em determinada situação e caso o ouvinte se comporte como foi instruído, diz-se que ele agora sabe algo que não sabia sobre o evento em questão. Por exemplo, se um ouvinte recebe a informação “Hoje é sexta-feira 13 e há gatos pretos na vizinhança, cuidado com o azar”, esta instrução permite que ele saiba, conheça e altere seus comportamentos em decorrência do que foi instruído. Porém, há outros fatores que podem afetar o comportamento do ouvinte em seguir certas instruções. Um destes fatores é o prestígio do falante ou a crença do ouvinte em relação ao que o falante diz.

Considerações Finais



Por meio destas descrições do fenômeno verbal autoclítico, podemos então entendê-lo como um operante verbal que, após estimulação auditiva ou visual, encoberta ou não, visa articular e organizar uma resposta verbal, sonora ou motora, e que seu controle dependerá das relações contextuais presentes no episódio verbal. É importante notar que esta categoria também aponta o falante como ouvinte de si mesmo. Nesta unidade, Skinner (1957) busca atribuir ao autoclítico uma característica peculiar do comportamento verbal que, mesmo sendo explicado por meio de aspectos gramaticais e sintáticos, também é aprendido e mantido pela comunidade verbal.

*Texto desenvolvido a partir do aprendizado na disciplina Comportamento Verbal do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UNB.


Referências

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Cambridge, Massachusetts: B. F. Skinner Foudation.
Souza, C. B. A., Miccione, M. M. & Assis, G. J. A. (2009). Relações autoclíticas, gramática e sintaxe: O tratamento skinneriano e as propostas de Place e Stemmer. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 61 (1). Retirado de http://seer.psicologia.ufrj.br/index.php/abp/article/view/186/301 em 13 de junho de 2014.

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