segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Psicoterapia e Esporte: Exercícios de Amor Próprio

     Durante uma psicoterapia é esperado que os clientes desenvolvam autoconhecimento, aprendam habilidades sociais mais adaptativas, façam enfrentamentos gradativos, sintam-se mais harmonizados com seus ambientes e que se tornem terapeutas de si mesmos. Se você estiver em um processo psicoterapêutico ou tem interesse em iniciar algum acompanhamento psicológico, saiba que profissionais da psicologia irão, em geral, incentivar seus clientes a adotar práticas que auxiliem neste processo. É possível que seu ou sua psicoterapeuta incentive alguma prática de esporte, algum contato com arte ou alguma interação em grupos com os quais você se identifique. Tais atividades irão calibrar o aprendizado adquirido em psicoterapia e poderá agilizar e fortalecer o processo.
    Sabemos que ambientes desafiadores, estimulantes e acolhedores aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos que produzem bem estar aos indivíduos.

Assim, se você está engajado em uma psicoterapia e em concomitância você pratica alguma atividade esportiva, artística ou qualquer outra que exija amplo repertório comportamental, então terá a probabilidade aumentada de aprender autoconhecimento, habilidades sociais e conseguirá enfrentar melhor suas dificuldades. Por isso, ao se engajar em um processo psicoterapêutico, esteja aberto às propostas da terapia e se beneficie!
Uma de minhas pacientes, Luíza (nome fictício) foi incentivada à prática de esportes em decorrência de seu repertório com as atividades do vôlei. Durante seu processo, identificamos que uma atividade recreativa estava contribuindo não só para seu bem estar físico como estava ajudando no desenvolvimento de sua autoestima e nas habilidades sociais. Combinamos que ela escreveria sobre esta parte de seu processo e o texto ficou tão didático e belo que pedi sua autorização para postá-lo neste blog. Segue:

O esporte como exercício de amor próprio *
                Para além das questões orgânicas, cada pessoa desenvolve seu corpo de forma singular. O corpo, por sua vez, recebe constantemente influência do ambiente que o molda ao longo dos anos. E, numa via de mão dupla, este mesmo ambiente também é constantemente transformado pela maneira como nos expomos a ele. Assim, se constrói um corpo que pode ser rígido ou flexível, leve ou carregado, livre ou aprisionado, etc.
               

Eu vivi uma relação um tanto contraditória com meu corpo. Desde a infância, a timidez, a introspecção e a dificuldade de interagir socialmente foram moldando um corpo fechado, medroso, travado. Porém, o respiro se dava nas brincadeiras de correr, de andar de bicicleta, de jogar bola, de praticar esportes. Nesse contexto os movimentos eram livres e despreocupados. 

                Então, veio a adolescência, fase em que a gente parece não se enquadrar em lugar nenhum, e todos os medos passam a paralisar o corpo e o processo de interação com o mundo. Mas, como novo refúgio, o vôlei passou a ocupar um espaço maior na minha vida. Então, na quadra, minha energia, antes retida, se liberava junto com o suor, com o esforço, com a marcação do ponto.
                Chegou a época de decidir o que fazer da vida profissional e eu, sempre carregando sentimentos de inadequação e desconforto em relação ao meu papel no mundo, enxergava como única possibilidade de escolha uma formação que estivesse ligado ao esporte. Foi assim que iniciei a graduação em educação física. Lá enfrentei grandes desafios de exposição ao ambiente. Nunca me esqueci de uma aula de dança contemporânea onde tive que fazer uma apresentação individual valendo nota. Tentei imitar os colegas que se apresentaram antes. Eu tinha apenas que realizar movimentos lentos e desordenados acompanhando o ritmo suave da música. Fácil, não? Ficar no meio de uma roda de pessoas, dentro de uma sala espelhada e sendo avaliada pela professora? Não!!! Não foi nada fácil. No final da apresentação uma colega querida disse, pra minha surpresa, que me saí bem. Mas eu só queria que aquele momento passasse logo, me sentia desconfortável e ridícula; queria fugir.
                Já nas modalidades de quadra me sentia bem mais à vontade, me adaptava facilmente aos movimentos rígidos dos esportes com suas regras claras. Ao final de quatro anos veio a formatura, no entanto, não tive estrutura emocional para encarar os desafios pessoais da profissão, por exemplo, ministrar aulas. Era mais confortável sentar em frente a um computador e resolver questões burocráticas e repetitivas.
                E assim, passaram-se os anos e não atuei na minha área de formação. Mas sempre busquei o esporte como abrigo, como fonte de prazer, como forma de liberar a energia represada e, sobretudo, como uma maneira de ser e estar no mundo. Hoje, com 37 anos, e experimentando um processo gradativo e cuidadoso de autoconhecimento, o esporte continua sendo meu grande aliado no enfrentamento dos obstáculos pessoais e na busca pelo amor próprio. Quando estou na aula de vôlei sinto que aquele momento é só meu, interajo com as colegas sem expressar timidez e a sensação de alegria e bem-estar é indescritível.
                Ganhar ou perder é o que menos importa. O mais valioso é o sentimento de pertencimento a um grupo e todo o aprendizado decorrente da exposição neste contexto. Dito isso, a prática de esporte tornou-se, para mim, um exercício de amor próprio em razão dos ganhos em saúde (melhora no condicionamento, na disposição física e nas taxas de colesterol), autoestima (sensação de capacidade, de empoderamento e de autoconfiança) e habilidades sociais (criação de vínculos de amizade, expressão de opiniões, sentimentos e atitudes).

*Autorizado para publicação utilizando o nome fictício Luíza.


segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

#Psicologia #SAMP #GEAP #MEDPREV

Reforço?

Skinner uma vez disse: "Prazeroso parece ser a palavra do cotidiano que é mais próxima a reforçador, mas ela cobre apenas metade do efeito".

Publico esta frase para lembrá-los de que reforçador não é apenas o que é avaliado como BOM e que ser UMA COISA BOA não é suficiente para entendermos o que é um evento reforçador. Também é preciso considerar aspectos MANTENEDORES e FORTALECEDORES dos eventos reforçadores.

#FicaADica

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Algumas Considerações Sobre Relacionamentos Amorosos e Psicologia Comportamental em "Sex and the City".

Como um amante das ciências, quando penso nos contextos que contribuem para nossas derrotas ou vitórias nos relacionamentos amorosos, já sou inclinado a pensar que as contingências do amor são complexas, exigentes e que o custo para responder a tais contingências pode ser caro e desgastante. Mas geralmente as pessoas não evitam fortemente as vivências amorosas, pois o que aprenderam com a cultura é que as consequências de uma boa relação amorosa podem valer o preço pago. Considerando este breve apontamento, vou ilustrar o tema com o relato de uma cena do seriado Sex and the City.
 
Certa vez, Charlotte (a romântica, fina e assertiva) e Carrie (a consumista, heroína e também assertiva) vão a uma palestra sobre relacionamentos amorosos em que a profissional palestrante aponta que a conquista e o desenrolar da vida amorosa depende essencialmente de uma postura mais afirmativa quanto ao que realmente é desejado. Chalotte questiona o fato de que, mesmo se colocando “às contingências”, buscando, se expondo e desejando muito encontrar o grande amor de sua vida, nada se desenrola e ela continua sozinha e infeliz, inclinada a acreditar que seu antigo relacionamento destruiu sua capacidade de encontrar alguém que valha a pena. A palestrante continua fazendo inferências (sem evidências) sobre o possível medo de Chalotte, bem como de sua falta de desejo e pensamentos negativos. Carrie (com mais evidências) defende a amiga revelando sua incessante busca pelo relacionamento, não o perfeito, mas o possível, gentil e generoso (nada de mais para alguém que se autorrespeita e acredita no amor conservador, como Charlotte).
Sabe-se que depois de fortes exposições às contingências do amor, muita luta e algumas renúncias, Chalotte finalmente consegue viver sua linda história de amor. Mas é importante dizer que ela, com sua assertividade quase impulsiva, sempre buscou se autorrespeitar, cuidando para “dar conta” daquilo que realmente “dava conta”, sem violências. Ela queria viver um amor e colher frutos deste bom relacionamento, e para isso sofreu variados tipos de consequências e se apegou às consequências que apontavam para as possibilidades de ter seus desejos realizados. Ela encontrou não o príncipe encantado como esperava, mas sim o homem mais bondoso e amável de todos que já passaram por sua vida (relatos da personagem). 
Como foi dito, buscar e viver histórias de amor exigem respostas muito caras (como qualquer outra vivência humana). Mas as consequências desta exposição valem o sacrifício? Talvez sim. As probabilidades de se realizar um desejo podem aumentar com nossos comportamentos em direção ao que é desejado. Além disso, as respostas podem ficar mais apuradas e seletivas com uma complexa seleção pelas consequências de nossos atos. 
Sou inclinado a acreditar que as vivências amorosas não se sustentam pelo nosso desejo; elas são o resultado de complexas eventualidades e interações com o mundo. Em outras palavras, podemos dizer que o desejo de viver uma histórias de amor, bem como viver de fato esta história, é dependente de uma complexa rede onde a cultura, os contextos, os comportamentos e suas consequências estão interligados. Estar nesta rede de múltiplos eventos não é tarefa fácil e muitas vezes emitimos comportamentos que podem intensificar algumas consequências negativas de determinados comportamentos.
Neste sentido, é preciso saber daquilo que "damos conta" no amor, ou seja, saber quais comportamentos podem ser emitidos cujas consequências estaremos fortes para enfrentar. Talvez o jogo aqui seja assumir verdadeiramente aquilo que "damos conta" e não aquilo que a gente adota só pra provar ao outros que somos capazes. É um custoso exercício de autoconhecimento. E para se ter um bom nível de autoconhecimento, aqueles/aquelas que buscam viver relacionamentos eróticos e amorosos, conservadores ou não, precisam estar atentos às contingências (contextos e consequências ligados aos seus comportamentos) do fenômeno erótico/amoroso para se ter sucesso nas realizações de seus desejos.


quarta-feira, 16 de novembro de 2016

A Análise do Comportamento na Prática Clínica: Utilizando o Modelo Selecionista Para Compreender as Queixas dos Indivíduos.

Profissionais da Psicologia em sua prática clínica se deparam com fenômenos diversos. Entendem que o indivíduo precisa ser acolhido e que seus comportamentos precisam ser analisados desde a raiz até o presente momento. Assim, será possível revelar as variáveis responsáveis pela aquisição e manutenção dos comportamentos e, assim, prever ocorrências no futuro.

Os comportamentos que são de interesse dos psicólogos e analistas do comportamento são resultado da interação entre os organismos e os ambientes ao longo de uma linha temporal. A concepção do que vem a ser comportamento a partir de uma visão científica foi desenvolvida pelo pesquisador B. F. Skinner em 1945 com a proposição da filosofia BEHAVIORISMO RADICAL.


O Behaviorismo ou comportamentalismo é uma atividade filosófica que se ocupa, principalmente, de questões acerca da natureza do comportamento humano e quais são os meios adequados para estudá-lo (Moreira, 2007). O termo RADICAL vem de RAIZ (origem). Assim, Behaviorismo Radical é a atividade filosófica, cujo objeto de análise é o comportamento a partir de suas origens.

Parte da compreensão dos fenômenos comportamentais se faz possível a partir do Modelo Selecionista, cuja origem do termo se origina da teoria evolucionista da Seleção Natural de Charles Darwin e Alfred Wallace para explicar a origem das espécies. Na Seleção Natural, membros de uma mesma espécie com características mais adaptativas ao ambiente em que vivem têm mais chances de sobreviver e de passar suas características aos seus descendentes. Skinner amplia o modelo selecionista ao estendê-lo para a esfera ontogenética e cultural. Assim, não é só na origem das espécies (filogênese) que a seleção atua, também na história de vida do indivíduo (ontogênese) e nas práticas culturais de um povo (Skinner, 1953/2000).


O Modelo Selecionista não recorre somente às explicações biológicas/genéticas como determinantes dos comportamentos. Por meio da ontogênese e da cultura, os comportamentos, frutos das interações entre os organismos e os ambientes, são selecionados ou não por suas consequências. Assim, o clínico emprega o raciocínio selecionista na compreensão de como os comportamentos dos clientes foram adquiridos e estão sendo mantidos.


Exemplo: Queixa de ansiedade ou diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (CID:F41.1). Após identificar os comportamentos que caracterizam a ansiedade (respostas biológicas, pensamentos, padrões de fuga/esquiva, etc), é necessário contextualizar as situações passadas e atuais a ela relacionadas.

• Quais são as variáveis determinantes da ansiedade e por que ela se mantém no contexto atual? Qual é a função da ansiedade na vida de um indivíduo específico?

O Modelo Selecionista ajuda o clínico a responder as questões acima pautando sua análise por meio das seguintes reflexões:

     • Por mais que um padrão comportamental esteja trazendo problemas a alguém, por mais que este alguém esteja insatisfeito com sua forma de agir, tais comportamentos foram fortalecidos no passado em um ou mais contextos.

     • Tais comportamentos foram funcionais ao remover, evitar ou atenuar punições ou a garantir reforçadores positivos.

     • Dizer que os comportamentos são produtos da interação entre os organismos e os ambientes ao longo de uma linha temporal e que é nesta interação que encontraremos as variáveis de aquisição e manutenção dos comportamentos, é dizer que esta análise trará mais coerência entre o que aconteceu no passado com o que ocorre no presente da vida dos indivíduos.

Questões Éticas

Alguns aspectos éticos em Psicologia envolvem a questão da mudança comportamental. Para o analista do comportamento, é fundamental avaliar as contingências que levam alguém a querer mudar, ou seja, mais importante do que querer ou não mudar, é o que leva alguém a querer ou não mudar. Em algumas situações, respostas que trazem consequências punitivas, podem ser fortalecidas em outras ocasiões. Assim, os padrões comportamentais precisam ser compreendidos a partir das variáveis atuantes ao longo do desenvolvimento do indivíduo. Padrões do comportamentos que são socialmente indesejáveis, também podem gerar benefícios para um indivíduo específico. Apenas produzir alterações na vida das pessoas sem considerar a seleção comportamental, além de ser um atropelo à identidade do sujeito, pode também gerar mais prejuízos do que ganhos.

Referências

Moreira, M. B. (2007). Curtindo a vida adoidado: Personalidade e causalidade no behaviorismo radical. Em A. K. C. R. de-Farias & M. R. Ribeiro (Orgs.), Skinner vai ao cinema (pp. 11-29). Santo André: ESETec.

Skinner, B. F. (1953/2000). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes. 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Terapeuta de mim mesma!

*Produção artística sobre o processo terapêutico da cliente Flávia (nome fictício).

O meu passado me atormentava,
Era como um vício que me consumia.
E eu fazia sofrer
E maltratava as pessoas que eu mais amava.

Noite e dia as lembranças me invadiam
Me fazendo lembrar de tudo.
Tudo que eu queria esquecer.

   E quando vinha o cair da noite
   Cada ingrediente dava um toque especial
   No preparo do nosso banquete.
   Dava tudo muito certo no final!

Os meus problemas duravam uma eternidade
E os meus medos e receios
Se tornaram os protagonistas da minha realidade.

Por tantas vezes eu quase perdi
A pessoa que eu mais amo.
Amo e não sabia viver.

O que não tem cura
E porque remediado está.

O que já se foi
Os meus sonhos não vai perturbar.

De um jeito ou de outro
Logo, logo isso vai passar!

Não posso ir além
Daquilo que consigo alcançar.

   Se eu enfrentar, vou vencer
   Terapeuta de mim mesma vou ser!


*Autorizado para publicação em 29/12/2015.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Comportamento Verbal - A Produção do Comportamento Verbal* {Parte 5 de 5}



           Ao discorrer sobre a produção do comportamento verbal, Skinner (1957) aponta para um processo de construção do episódio verbal em que a autoedição funciona como mais uma atividade a ser considerada neste complexo fenômeno. Como se fosse uma casa, a base de sua estrutura seria o comportamento verbal grosseiro com as vocalizações decorrentes do aparato biológico humano, os pilares e as paredes seriam os operantes verbais primários, os utensílios e objetos seriam os autoclíticos e para que esta casa pudesse receber pessoas em datas comemorativas poderia ser usado o princípio da autoedição a fim de se evitar rejeições.         
Em outras palavras, a autoedição é uma atividade adicional exercida pelo falante para aumentar a eficácia de um discurso ou para evitar a punição de um ouvinte. Esta atividade também faz parte de um processo funcional em que o indivíduo consegue elaborar melhores respostas em uma interação e, em geral, está acompanhada de autoclíticos que tornam a autoedição mais eficaz e forte para reduzir a punição.
    Em um determinado episódio verbal, algumas variáveis podem ser fortes o suficiente para impedir a autoedição. Uma vez que o falante também pode atuar como ouvinte de seu próprio comportamento verbal, ele pode ter condições para autoeditar uma resposta verbal que esteja sobre ameaça de punição ou rejeição. Mas em alguns casos, como por exemplo, na fala rápida, o falante atua sem o controle suficiente de sua própria escuta e acaba verbalizando algo que só poderá ser editado após a emissão da resposta verbal. Em outros casos, um lapso verbal pode não ser observado quando emitido e também pode ser negado posteriormente. Também é preciso considerar que o ambiente que sustenta um episódio verbal pode mudar muito e depressa, e nem sempre somos sensíveis a estas mudanças de forma tão rápida. Estas alterações físicas e sociais, como acontecem nos casos de punição, podem atrasar ou impedir que uma resposta de autoedição seja emitida.
     A autoedição também pode ser dificultada nos casos em que há respostas verbais, escritas ou vocais, automáticas. Vários eventos permitem uma resposta verbal automática, como no caso dos sonhos ou da hipnose. Skinner (1957) sugere que estas respostas automáticas, que ocorrem em momentos de difícil edição, acontecem por conta de baixo controle punitivo em operação. No sono ou na hipnose, o indivíduo está livre de “forças repressoras”, que podem ser entendidas aqui como um estado de vigilância sobre o ambiente punitivo no qual o indivíduo está inserido e que faz parte de sua história de aprendizagem.
   A autoedição está muito relacionada com a punição ou restrição, mas algumas audiências especiais podem contribuir para que uma resposta verbal não precise ser editada, como é o caso da audiência literária e a psicoterapia. Na audiência literária, o autor pode usufruir de sua licença poética e usar metáforas, descrever eventos incomuns, inventar palavras e símbolos, e estes recursos são permitidos e aprovados pela comunidade verbal. Já na psicoterapia, grande parte da cura pela fala se deve ao contexto terapêutico que, em geral, não é punitivo.
   Até aqui, conhecemos os recursos que o falante pode usar para aumentar a eficácia de suas respostas verbais sobre uma audiência ou para não ser punido pelos ouvintes. Skinner (1957) também apontou algumas técnicas de autofortalecimento que aumentam a força para que uma resposta verbal seja emitida. Segundo o autor, este processo é possível porque uma pessoa pode controlar o próprio comportamento verbal como controla o comportamento verbal de outras pessoas. O autofortalecimento só é possível quando uma resposta verbal, por algum motivo, se encontra com uma baixa força no repertório do indivíduo.
    Para o autofortalecimento do comportamento verbal é possível recorrer a algumas técnicas, tais como: 1) A manipulação de estímulos – quando um falante aprimora seu contacto com um objeto para criar uma condição favorável para a emissão de respostas apropriadas que já existem em seu repertório; 1.1) Autodeixas – estímulos verbais auxiliam e fortalecem a emissão de determinada resposta verbal; 1.2) Autoinvestigações – estímulos visuais vagos, porém adicionados ao episódio verbal podem fortalecer uma resposta verbal; 1.3) Mudança da audiência – a busca de audiências apropriadas a um certo repertório ou a um dado assunto; 2) Mudança no nível de edição – por conta das alterações ambientais o falante ou o escritor pode editar o próprio comportamento verbal visando condições mais reforçadoras; 3) Produção mecânica – objetos e jogos que permitem a manipulação de letras e palavras e que funcionam como fortalecedores de respostas verbais; 4) Mudanças de variáveis motivacionais e emocionais – quando o falante consegue manipular algumas emoções ou suas condições fisiológicas para alterar os níveis de privação ou de saciedade; 5) Incubação – a resposta verbal ocorre após um longo período em que o falante não a verbalizou e sua ocorrência é interpretada pela comunidade verbal como um insight, o que pode reforçar o comportamento do falante por este ter “liberado sua força inconsciente”. Abaixo na figura 1 há um exemplo deste fenômeno.

Figura 1 – Exemplo de respostas verbais autofortalecidas de um vidente.







Diante dos recursos apresentados, como um falante pode criar novas respostas verbais que não estão em seu repertório? A modelagem é uma forma de conquistar uma nova resposta verbal quando o indivíduo recebe reforços para seus comportamentos que mais se aproximam da resposta verbal final desejada. Porém, a modelagem não é o único recurso para construir um comportamento verbal novo. Novos tactos podem surgir enquanto o indivíduo amplia seu contato com o mundo. Em outras palavras, qualquer comportamento que melhore as experiências do indivíduo com o mundo terá força para produzir novas respostas.
   As análises de Skinner permitem que nós, enquanto leitores, cristalizemos o entendimento de que o surgimento de novos comportamentos se dá pela seleção por consequências específicas das respostas verbais. Assim, é possível compreender a distinção que há entre o comportamento verbal das pessoas. Skinner (1957) dedicou um capítulo de seu livro para diferenciar o comportamento verbal literário do comportamento verbal lógico e científico. O autor aponta que a principal diferença entre o comportamento do cientista e o do escritor se refere ao controle de estímulo e a consequência prática, ou seja, o comportamento científico será reforçado por sua precisão e funcionalidade prática para os outros integrantes dessa comunidade e o comportamento literário será reforçado pela produção de fantasia e conhecimento metafórico nos leitores. Além dessa diferenciação, Skinner (1957) aponta que o comportamento verbal lógico e científico também difere do comportamento verbal do leigo por conta da ênfase que se dá à predição, ao controle e às suas consequências práticas.
      Ainda em relação à produção do comportamento verbal, Skinner (1957) dá destaque ao pensamento. Aqui, é preciso se opor ao mentalismo para que o pensamento seja significante em uma análise funcional do comportamento verbal. Podemos, assim, entender que durante o processo de aprendizado e aquisição de respostas verbais, a comunidade verbal pode reforçar ou punir algumas respostas abertas e este processo de modelagem pode produzir e selecionar respostas verbais privadas, ou dentro da pele. Assim, um comportamento, seja ele público ou privado, será forte dependendo das contingências em operação. Em geral, uma resposta verbal privada se mantém neste nível por ter sido punida quando esteve aberta ou por não ter nenhuma condição reforçadora além do próprio falante presente no contexto de sua emissão.

            O pensamento é, então, entendido como um comportamento verbal privado que atinge o próprio falante enquanto ouvinte de si memo. Não é, portanto, uma conduta ou habilidade mística ou profunda do ser. O pensamento, enquanto comportamento verbal complexo existe por conta do aparato biológico humano e é refinado e mantido pelo grupo no qual ocorre. A depender das contingências em vigor no momento de sua emissão, um pensamento pode ter características dos operantes verbais já discutidos anteriormente, como por exemplo, no caso dos automandos em que o falante pode se ordenar, em nível privado, a sair de um lugar e ir para outro.

Considerações finais

            É importante notar que, ao contrário do que é divulgado sobre a análise do comportamento, Skinner (1957) ressalta que uma análise funcional do comportamento verbal não ignora a consciência, os sentimentos e nem os estados e processos mentais ou cognitivos. Neste caso, estes comportamentos são considerados encobertos e, embora sejam de difícil acesso, têm suas origens iguais as dos comportamentos públicos e estão suscetíveis as mesmas contingências. Assim, entende-se que o pensamento, antes de ser um comportamento privado, foi adquirido de forma pública e manifesta. Além disso, o autor mostra nesta unidade o papel fundamental da comunidade verbal no arranjo de contingências necessárias para a produção do comportamento verbal, em especial o pensamento.



Foi possível observar que o comportamento encoberto tratado no Verbal Behavior, no caso, o pensar, tem tantas vantagens quanto o comportamento aberto. Podemos inferir que por meio do pensamento um indivíduo pode não se comprometer negativamente em algum contexto, ele pode planejar, lembrar e articular uma operação verbal antes de emiti-la no nível vocal para atender melhor as demandas da comunidade verbal, atingir com eficácia um ouvinte e evitar uma punição.

Contudo, observa-se que todo o processo de construção do comportamento verbal descrito por Skinner é uma clara crítica ao mentalismo e um alerta aos cientistas do comportamento. A posição do autor, muitas vezes bem argumentada e outras vezes confusa, guia o cientista do comportamento a notar que o fenômeno verbal e o pensamento serão sempre comportamentos que devem estar sujeitos as leis que regem o comportamento operante, sem que para explicá-lo seja necessário recorrer a processos mentalistas ou mediacionais.
*Texto desenvolvido a partir do aprendizado na disciplina Comportamento Verbal do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UNB.
 



Referências

Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Cambridge, Massachusetts: B. F. Skinner Foudation.
 
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