segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Psicoterapia e Esporte: Exercícios de Amor Próprio

     Durante uma psicoterapia é esperado que os clientes desenvolvam autoconhecimento, aprendam habilidades sociais mais adaptativas, façam enfrentamentos gradativos, sintam-se mais harmonizados com seus ambientes e que se tornem terapeutas de si mesmos. Se você estiver em um processo psicoterapêutico ou tem interesse em iniciar algum acompanhamento psicológico, saiba que profissionais da psicologia irão, em geral, incentivar seus clientes a adotar práticas que auxiliem neste processo. É possível que seu ou sua psicoterapeuta incentive alguma prática de esporte, algum contato com arte ou alguma interação em grupos com os quais você se identifique. Tais atividades irão calibrar o aprendizado adquirido em psicoterapia e poderá agilizar e fortalecer o processo.
    Sabemos que ambientes desafiadores, estimulantes e acolhedores aumentam a probabilidade de ocorrência de comportamentos que produzem bem estar aos indivíduos.

Assim, se você está engajado em uma psicoterapia e em concomitância você pratica alguma atividade esportiva, artística ou qualquer outra que exija amplo repertório comportamental, então terá a probabilidade aumentada de aprender autoconhecimento, habilidades sociais e conseguirá enfrentar melhor suas dificuldades. Por isso, ao se engajar em um processo psicoterapêutico, esteja aberto às propostas da terapia e se beneficie!
Uma de minhas pacientes, Luíza (nome fictício) foi incentivada à prática de esportes em decorrência de seu repertório com as atividades do vôlei. Durante seu processo, identificamos que uma atividade recreativa estava contribuindo não só para seu bem estar físico como estava ajudando no desenvolvimento de sua autoestima e nas habilidades sociais. Combinamos que ela escreveria sobre esta parte de seu processo e o texto ficou tão didático e belo que pedi sua autorização para postá-lo neste blog. Segue:

O esporte como exercício de amor próprio *
                Para além das questões orgânicas, cada pessoa desenvolve seu corpo de forma singular. O corpo, por sua vez, recebe constantemente influência do ambiente que o molda ao longo dos anos. E, numa via de mão dupla, este mesmo ambiente também é constantemente transformado pela maneira como nos expomos a ele. Assim, se constrói um corpo que pode ser rígido ou flexível, leve ou carregado, livre ou aprisionado, etc.
               

Eu vivi uma relação um tanto contraditória com meu corpo. Desde a infância, a timidez, a introspecção e a dificuldade de interagir socialmente foram moldando um corpo fechado, medroso, travado. Porém, o respiro se dava nas brincadeiras de correr, de andar de bicicleta, de jogar bola, de praticar esportes. Nesse contexto os movimentos eram livres e despreocupados. 

                Então, veio a adolescência, fase em que a gente parece não se enquadrar em lugar nenhum, e todos os medos passam a paralisar o corpo e o processo de interação com o mundo. Mas, como novo refúgio, o vôlei passou a ocupar um espaço maior na minha vida. Então, na quadra, minha energia, antes retida, se liberava junto com o suor, com o esforço, com a marcação do ponto.
                Chegou a época de decidir o que fazer da vida profissional e eu, sempre carregando sentimentos de inadequação e desconforto em relação ao meu papel no mundo, enxergava como única possibilidade de escolha uma formação que estivesse ligado ao esporte. Foi assim que iniciei a graduação em educação física. Lá enfrentei grandes desafios de exposição ao ambiente. Nunca me esqueci de uma aula de dança contemporânea onde tive que fazer uma apresentação individual valendo nota. Tentei imitar os colegas que se apresentaram antes. Eu tinha apenas que realizar movimentos lentos e desordenados acompanhando o ritmo suave da música. Fácil, não? Ficar no meio de uma roda de pessoas, dentro de uma sala espelhada e sendo avaliada pela professora? Não!!! Não foi nada fácil. No final da apresentação uma colega querida disse, pra minha surpresa, que me saí bem. Mas eu só queria que aquele momento passasse logo, me sentia desconfortável e ridícula; queria fugir.
                Já nas modalidades de quadra me sentia bem mais à vontade, me adaptava facilmente aos movimentos rígidos dos esportes com suas regras claras. Ao final de quatro anos veio a formatura, no entanto, não tive estrutura emocional para encarar os desafios pessoais da profissão, por exemplo, ministrar aulas. Era mais confortável sentar em frente a um computador e resolver questões burocráticas e repetitivas.
                E assim, passaram-se os anos e não atuei na minha área de formação. Mas sempre busquei o esporte como abrigo, como fonte de prazer, como forma de liberar a energia represada e, sobretudo, como uma maneira de ser e estar no mundo. Hoje, com 37 anos, e experimentando um processo gradativo e cuidadoso de autoconhecimento, o esporte continua sendo meu grande aliado no enfrentamento dos obstáculos pessoais e na busca pelo amor próprio. Quando estou na aula de vôlei sinto que aquele momento é só meu, interajo com as colegas sem expressar timidez e a sensação de alegria e bem-estar é indescritível.
                Ganhar ou perder é o que menos importa. O mais valioso é o sentimento de pertencimento a um grupo e todo o aprendizado decorrente da exposição neste contexto. Dito isso, a prática de esporte tornou-se, para mim, um exercício de amor próprio em razão dos ganhos em saúde (melhora no condicionamento, na disposição física e nas taxas de colesterol), autoestima (sensação de capacidade, de empoderamento e de autoconfiança) e habilidades sociais (criação de vínculos de amizade, expressão de opiniões, sentimentos e atitudes).

*Autorizado para publicação utilizando o nome fictício Luíza.


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