domingo, 22 de fevereiro de 2015

Comportamento Verbal - Variáveis Múltiplas* {Parte 3 de 5}


Após apresentar sua proposta de análise funcional do comportamento verbal, bem como apontar as variáveis de controle que operam nos episódios verbais, Skinner (1957) discute as variáveis múltiplas que afetam, de forma entrelaçada, as respostas verbais. Para tanto, os apontamentos de Skinner em relação às variáveis múltiplas serão apresentados a seguir. 


Após discutir as relações funcionais do comportamento verbal, Skinner (1957) revelou que uma única resposta (verbal ou não verbal) pode ser, e usualmente é, função de mais de uma variável e que uma única variável costuma afetar mais de uma resposta. Neste sentido, a resposta verbal “Cobra!” pode ser um mando para alguém ter cuidado, pode ser um tacto para sinalizar uma cobra no ambiente ou ainda pode ser uma resposta ecóica, textual ou intraverbal. Além disso, diferentes contextos e pessoas poderão reforçar diferencialmente a resposta verbal “Cobra!”, ou seja, a força de uma resposta verbal será múlti determinada pela combinação da comunidade verbal com outras variáveis de controle.
Para Skinner (1957), é claro que qualquer amostra do comportamento verbal é controlada e relaciona-se funcionalmente com muitas variáveis que operam ao mesmo tempo, pois qualquer resposta sob o controle de uma variável tem uma boa probabilidade de estar relacionada com outras variáveis também presentes. Isto significa que, se quisermos discutir sobre comportamento verbal ou analisá-lo de forma funcional, precisamos ter certeza de que levamos em conta todas as variáveis relevantes que compõem o fenômeno verbal.
Um tipo especial de causação múltipla diz respeito às audiências múltiplas que são aquelas variáveis múltiplas que controlam respostas diferentes ou a mesma resposta de diferentes maneiras. Assim, uma resposta verbal pode ser reforçada por uma audiência e punida por outra, ou ainda, a mesma resposta pode ser reforçada e punida pela mesma audiência dependendo do contexto e de outras variáveis envolvidas. Além disso, o autor aponta que a presença de uma audiência negativa só pode ser detectada se uma audiência positiva já tiver estabelecido seu efeito sobre uma determinada resposta verbal. Uma resposta verbal que foi reforçada e fortalecida pode perder sua força caso uma audiência negativa esteja em operação, como por exemplo: uma criança que fala obscenidades na presença de outras crianças pode ter suas respostas verbais reforçadas e mantidas por esta pequena comunidade, mas ao emitir as mesmas respostas obscenas na presença de um adulto pode ter seu comportamento verbal punido. Em outro caso, se o auditório negativo não for predominante, o resultado pode ser uma perda da eficácia diante de auditório positivo. É importante ressaltar que algumas respostas verbais podem nunca terem sido reforçadas, pois em sua primeira emissão houve uma supressão de sua força por conta da intensidade punitiva de alguma audiência.


Ao discutir sobre a causação múltipla, Skinner (1957) mostra que alguns operantes verbais também podem se combinar, como é o caso dos tactos múltiplos e os intraverbais. A combinação momentânea de dois tactos, de dois intraverbais ou de um tacto e de um intraverbal pode forçar a seleção de uma determinada resposta. Uma pessoa pode tatear uma condição psicoterapêutica se estiver sob controle da figura do psicólogo e do consultório da terapia; ou pode estar sendo controlada por dois intraverbais, “psico” e “terapia”; ou pode ainda estar sobre controle intraverbal da palavra “terapia” e na presença de um psicólogo diz que está em psicoterapia.

Outra forma de controle por variáveis múltiplas diz respeito à estimulação suplementar. Considerando o fato de que as contingências são complexas, nem sempre a resposta verbal será afetada por todos os seus antecedentes e consequentes, ou seja, por suas múltiplas causas. Propriedades específicas da condição estimuladora podem controlar com maior ou menor força a resposta verbal. Neste sentido, a estimulação suplementar pode contribuir para o aumento da probabilidade de ocorrência de respostas já existentes no repertório do indivíduo. Em outras palavras, a estimulação suplementar pode servir como estimulo para a ocorrência de uma resposta que esteja sob controle fraco. É por meio de tal estimulação que, normalmente, o falante induz o ouvinte a dizer algo que, de outra forma, ele não diria.

Há alguns fatores que contribuem para a estimulação suplementar, a contar: as deixas formais e temáticas e também as investigações formais e temáticas. Nas deixas formais, um indivíduo pode apresentar uma sugestão ecóica para outro que esteja em uma verbalização com controle intraverbal, ou o mesmo indivíduo pode recorrer a uma sugestão textual de suas próprias anotações. A conexão intraverbal pode ser fraca, assim outra pessoa pode emitir uma resposta verbal ecóica, dizendo uma palavra, para que o falante consiga re-conectar os estímulos presentes do controle intraverbal, ou alguma anotação pode funcionar como deixa com esta mesma função de re-conectar os elementos intraverbais.  Em geral, frases incompletas de um falante inclinam o ouvinte a emitir qualquer resposta verbal que venha a completar o que o falante poderia dizer.

No caso das deixas temáticas, uma sugestão para uma resposta verbal aparece sob a forma de um tacto ou de uma resposta intraverbal. Estes tipos de deixas são conhecidos como “palpites”. Assim, enquanto uma sugestão formal seria uma palavra sussurrada ou rabiscada num papel, uma deixa temática consistiria em estímulos verbais, comumente evocado em relação ao contexto presente do falante e do ouvinte que são inicialmente emitidos como respostas intraverbais.

Nas investigações formais, que também podem se analisadas pelos estímulos ecóicos ou textuais, outras variáveis podem operar de forma mais eficaz como fontes suplementares de força. Uma vez que exista fraqueza do estímulo ecóico ou textual devemos sondar outros estímulos que poderiam estar emparelhados com a resposta verbal a ser emitida. Assim, podemos produzir um comportamento verbal por meio de qualquer variável que reforce o comportamento, independentemente da forma, ou por meio de qualquer variável combinada com variáveis puramente formais. Já nas investigações temáticas, uma pessoa pode emitir um mando que sinalize que algo precisa ser dito, ou seja, um indivíduo pede que outro emita uma resposta verbal que esteja sob controle de estimulação intraverbal. Em geral testes projetivos e de percepção usam este recurso.

Após discutir sobre a estimulação suplementar e apresentar diversas formas para se fortalecer uma resposta verbal, Skinner (1957) aponta que um indivíduo pode emitir verbalizações cujas respostas verbais serão fragmentárias e continua atribuindo a este fenômeno a causação múltipla. Em outras palavras, a combinação ou o emaranhado de duas ou mais variáveis, de operantes com a mesma força, de audiências com controle fraco, ou até mesmo de unidades mínimas, produzem respostas verbais e estas respostas podem aparecer de formas fragmentadas. Neste sentido, podem ocorrer respostas verbais distorcidas ou sem sentido.
Para Skinner (1957), respostas pobremente condicionadas são mais propícias à fragmentação. As recombinações dos fragmentos de respostas são mais frequentes no comportamento das crianças pequenas, bem como no dos adultos que estão aprendendo uma nova língua. Até mesmo um repertório bem estabelecido pode sofrer recombinação em condições de fadiga, de doença ou por efeito de certas drogas. Estimulação aversiva também tende a produzir esse tipo de distorção.

Mesmo que as combinações possam ser estudadas como meras formas de respostas, separadamente das variáveis ou controle, é importante notar que duas respostas tendem a ser fortes ao mesmo tempo caso ambas sejam funções da mesma variável. Muitas destas combinações resultam de misturas de dois ou mais tactos sob o controle do mesmo estímulo. Até mesmo os estímulos ecóicos e textuais podem contribuir com fragmentos se ocorrerem condições apropriadas. Além disso, como já foi dito pelo autor, muitas combinações mostram a interação de tactos e de intraverbais, ou de dois ou mais intraverbais.

Considerações finais

O fenômeno verbal pode ser explicado didaticamente por meio da definição de cada operante verbal que controla os episódios verbais, mas é imprescindível atribuir a este fenômeno a causação múltipla, bem como o papel crítico das contingências culturais. A múlti determinação do comportamento é um princípio importante da aprendizagem e não seria diferente para o comportamento verbal, a causação múltipla contribui para o entendimento do processo pelo qual os indivíduos falam, escrevem, lêem e se expressam, porque estão em constante interação com sua comunidade verbal, ou seja, estão suscetíveis às interações culturais. Além disso, é importante ressaltar que, uma única variável, ou uma única condição operante, ou até mesmo o fato dos humanos terem condições fisiológicas para verbalizarem e se expressam, não torna suficiente a explicação do fenômeno verbal.

 Referências
Skinner, B. F. (1957). Verbal Behavior. Cambridge, Massachusetts: B. F. Skinner Foudation.

* Texto desenvolvido a partir do aprendizado na disciplina Comportamento Verbal do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Comportamento da UNB.






Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...